Por Sérgio Dusilek
No último domingo, dia 06/07/2025, no culto da noite, a PIB/SP comemorando seus 126 anos, cedeu seu púlpito para ouvir um convidado especial. Diga-se de passagem que esta é uma prática comum nas igrejas batistas. Ao celebrarem seu aniversário, as igrejas costumam convidar outros pastores, normalmente da mesma denominação, para trazerem uma especial reflexão em suas celebrações.
Ocorre que o convidado destoou da prática: trata-se do governador Tarcísio, aquele que se vende como o novo messias, sempre que Jair não está por perto. Um menino arteiro, uma vez longe do seu tio. Isso fica muito patente quando ele se apresenta como alguém extremamente capacitado (ao ponto de ser primeiro colocado em um concurso, segundo suas palavras) e como alguém que tem consciência da grande e maior missão que repousa sobre seus ombros.
Nos sugestivos e simbólicos 24 minutos nos quais pontificou no púlpito da PIB/SP, ficou evidente o bom ensaio e representação, mas também patente a falta de organicidade. Todavia é preciso destacar que estamos diante de uma escalada tanto simbólica quanto representativa nessa espúria união entre púlpito e políticos. Se Jair Bolsonaro era tratado como uma mula pelos pastores que o apoiaram, quase sempre emudecido ao lado deles nos púlpitos em que pisou, a Tarcísio é conferido a primazia da entrega da palavra, da homilia. Se para Bolsonaro foram destinados 12 longos minutos de oração e declaração de apoio no púlpito da IB Atitude (RJ), a Tarcísio são liberados 24 minutos para sua exposição. A aposta dobrou qualitativamente e quantitativamente.
Ouvi com atenção a homilia dominical vespertina do Governador. Sua dificuldade não é só com o vernáculo, especialmente com a concordância nominal. Ela é também de fundo bíblico e teológico. Se crente, o governador de São Paulo não deve levar sua fé muito a sério. Falo isso por algumas razões que me saltaram aos olhos e que me incomodaram os ouvidos.
Primeiramente a bonita Bíblia que ostentava padecia de um mal: como aparentava ser muito nova, indica que ela é pouco manuseada, talvez intocada. Seu mal-ajambrado esboço, que caberia perfeitamente para o príncipe dos púlpitos batistas chamado Carlos César Peff Novaes, mostrou a desídia e a desconsideração que tem com o público que lhe ouviria: a igreja de Jesus. Não creio que, quando chamado para um meeting na FIESP ou na FEBRABAN, Tarcísio exerça a mesma desconsideração com o público que lhe escutará.
Sua fala desfilou uma série de problemas conceituais. Desde atribuir ao batismo uma dimensão capacitadora, quando na verdade o principal significado é a obra regeneradora do Espírito Santo, quanto a definição de que os dons espirituais seriam o amálgama da igreja, o fator responsável por sua unidade. Ora, nada tão longe do conceito quanto da leitura do texto bíblico…os dons representam a diversidade e o convite à interdependência na igreja. Por reforçarem a diversidade é que eles se transformaram em elemento de disputa intra-eclesia. Está lá no texto, o mesmo que ele disse ter lido para preparar sua pregação.
Uma pena que o governador, que tinha acertado antes ao falar que Cristo é a razão da unidade da igreja e que o Espírito é quem age em prol desta comunhão, tenha esquecido desta anotação. Não Governador, os dons não garantem nada. Sua fala sobre os dons foi antitetica à mensagem do texto bíblico e representou uma contradição interna na sua própria homilia, denunciando a ausência de maior tempo de ensaio.
Ressalta-se também a confusão feita entre as narrativas bíblicas. Ao falar do episódio conhecido como o encontro dos Reis Magos com o infante Jesus, além de desfilar visível desconhecimento sobre o texto, Tarcísio conseguiu errar uma clássica leitura alegórica dos presentes ofertados. Ao falar da mirra, ao invés de dizer que ela, na leitura alegórica, reforçava a dupla natureza de Jesus, sua humanidade, ele falou que ela anunciava a preparação do seu corpo, sua morte. Não Governador, o episódio que você trocou é a da pecadora que ungiu os pés de Jesus com nardo puro.
Chamou-me a atenção um pequeno, mas denunciador descuido discursivo do governador. Ao terminar, ele devolve a palavra aos “dirigentes”, termo apropriado para a linguagem partidária, porém revelador da distância que ele mantém do “chão da igreja”. Ao invés de usar “pastores” ou “líderes”, usou “dirigentes”. Das duas uma: ou ele foi profeta denunciando no ato falho que a PIB/SP se tornou puxadinho de um partido, um diretório; ou ele segue sem ter nada a ver com a igreja de Jesus, no que desautorizaria a fala seguinte do pastor da igreja que afirmou ver em Tarcísio alguém que estaria “pautando a vida na Bíblia”.
Se você me acompanhou até aqui, talvez esteja pensando que estou pegando pesado demais. Bom, eu reconheço que em pelo menos duas ocasiões Tarcísio foi boca de Deus na PIB/SP. A primeira, quando ele definiu o congressista e presidente da Frente Parlamentar Evangélica Gilberto Nascimento como “deputado do Velho Testamento”. Poucas vezes vi uma definição tão feliz, tão apropriada. Gilberto o acompanhou silente e esquecido no púlpito da igreja, por ocasião da transmissão da palavra.
A segunda foi a menção à fala de sua mãe. Segundo ele, em certa ocasião ela teria dito: “você não entende nada das coisas de Deus”. Pelo visto, esta assertiva continua valendo.
Neste momento cabe uma pergunta para o meu TCC: os batistas farão nota de repúdio diante desta “reencarnação” de Antíoco Epifânio? Ou estão efusivamente alegres, “anfetaminicamente” entorpecidos, diante de um presidenciável que “prega a palavra”, o que pode ser visto na excitação do pastor da igreja antes e depois da fala de Tarcísio?
Desde a década de 1960 os batistas têm lado e é o da AMAN: esta casa de ensino pródiga em entregar líderes que agem e maquinam contra o povo brasileiro. Por esta e muitas outras digo: apertem os cintos! 2026 vai ser muito pior do que nos últimos dois pleitos presidenciais!
Ahhhh! E sobre a síndrome de Estocolmo, pastor? Imagino que você esteja perguntando e com toda razão. Ocorre que há cerca de 1,5 ano o Governador desapropriou parte do centro de São Paulo, incluindo o “histórico” Templo da Primeira Igreja Batista, visando instalar, construir, a cidade administrativa, o espaço concentrado para as instalações do Governo, suas secretarias. Não lhe parece lindo (contém ironia) que uma igreja ameaçada na sua continuidade celebre seu algoz? Não seria um exemplo gritante da síndrome de Estocolmo?